O dia depois de amanhã; já parou pra pensar por que você apoia a intervenção militar? Democracia dá trabalho!

Como a história irá reconstruir os acontecimentos dos últimos dias? “Povo nas ruas por mudanças na economia”? ou “Povo apresenta reivindicações e comemora likes nas redes sociais”?

Você esteve ontem na manifestação organizada pela CDL de Penha em frente à igreja Matriz de Penha? Eu não. Explico: intervenção militar. Erraram na mão. Esta combinação de duas palavras me dá arrepios, provoca em mim uma sensação incômoda. Estamos indignados com os rumos do país e a gestão atual do governo federal, sobretudo a respeito da tributação excessiva, mais especificamente em apoio aos caminhoneiros e suas pautas próprias.

Caminhoneiros de todo país estão unidos pela redução do valor diesel, fixação de nova tabela de fretes, garantia de serviços aos autônomos etc. Estão de braços cruzados exigindo pagar menos para conseguir lucrar um pouco mais no transporte de mercadorias. É uma demanda justíssima e acredito que todos nós estamos sensíveis a isto.

Mas aí, ela apareceu: a tal intervenção militar. Aconteceu o mesmo nas manifestações de 2013, aquela dos 20 centavos a menos no transporte público de São Paulo, e também no processo de impeachment da ex-presidente Dilma.

Desfocou

Nós, os personagens principais, estamos levando uma rasteira desta coadjuvante chamada intervenção militar. Partidos e políticos, de forma atrapalhada, pedem a intervenção militar. Parece que não entenderam que, se atendidos nesse desejo proibido, deixariam de existir e perderiam seus mandatos com um estalar dos dedos ou, melhor dizendo, através de um Ato Institucional. Déjà vu.

Todo mundo sabe que o cansaço e o estresse, que esgotam o corpo e a capacidade de discernir o bom e o mau, são os piores aliados na tomada de decisões importantes. Quando estamos irritados e cansados, o conselho dos mais velhos é: “Vá esfriar a cabeça para não fazer nada de que se arrependa depois!”.

E algo parecido está acontecendo neste momento de crise política e econômica que estamos enfrentando. Na tentativa de sair o mais rápido desta angústia, que nos cansa e nos estressa, estamos defendendo qualquer ideia que pareça funcionar. Mas não é assim que a banda toca.

Estão juntando em uma mesma frase a palavra “democracia” e a expressão “intervenção militar”. É antagonismo puro. Não combina. Querer democracia por meio de intervenção militar dá “tilt”.

LEIA EM VOZ ALTA: Só haverá democracia com intervenção militar. “What?”

Sacou o absurdo?

Aos que acreditam que intervenção militar é um caminho interessante, para fazer a transição temporária, acabando com todo o mal e entregando o país redondinho a um presidente civil purificado, é no mínimo, sonho juvenil.

Não há intervenção militar que dure um dia, um mês ou um ano. A última levou 20 anos. E as ações de um governo interventor de exceção não serão aquelas que estão na cabeça de cada pessoa que defende esta ideia. É como se cada cidadão que deseja a tal intervenção, tenha sua própria fantasia do que seria um governo militar.

“Ah, se os militares assumirem, será do jeito certo. Do jeito que EU acho certo.” Amigão, lamento informar, mas o SEU certo é diferente do certo do SEU vizinho, que por consequência será diferente do CERTO dos interventores.

Pedir intervenção militar é reduzir nossa capacidade de ação e de mobilização. Estamos no sofá acelerando os dedos no teclado virtual do celular, espalhando fake news, enlouquecendo em grupos de WhatsApp com áudios do fim do mundo, fotos de militares caquéticos, imagens de tanques de guerra (ISSO MESMO, GUERRA). E no fim do dia voltamos para casa, na esperança de assistir mais um episódio da Netflix, da novela das 9, ou torcer para o nosso time vencer.

A nossa democracia é ruizinha do jeito que está, mas ainda é menos arriscada do que um regime de exceção. De onde vocês tiram que a intervenção militar será cor-de-rosa: Qual país do mundo hoje é conduzindo por um regime militar que dá certo?

O melhor caminho ainda é a urna; ou somos então 207,7 milhões de incompetentes? Estamos brigando para terceirizar a nossa cidadania.

“Com a intervenção, acabou meu trabalho de ter que pesquisar um candidato decente. E eu não preciso me engajar para as coisas funcionarem”

SIM, VOCÊ PRECISA SE ENVOLVER. E ISSO NÃO É COISA DE ESQUERDISTA.

É coisa de gente comprometida com o seu país. Converse sobre política, veja se seus vereadores estão fazendo a parte deles, vejam se o prefeito da cidade está reduzindo as despesas da máquina pública, vejam se o nepotismo não impera perto de você, denuncie o tráfico de influência quando algum colega lhe disser que “tem um amigo na prefeitura” que pode resolver.

Não agrida quem se dedica a militar nos movimentos de bairro, nas juventudes organizadas, nos partidos políticos, nas entidades de classe, nas associações comerciais, enfim, prestigie quem se engaja.

Enquanto continuarmos acreditando no adágio popular comodista de que “Política, futebol e religião não se discute”, continuaremos vendo a corrupção imperar, o futebol levar de 7x 1 com todos os envolvidos milionários e a religião voltando a matar em nome de Deus pelo mundo afora. Lamentavelmente amigos, democracia dá trabalho. Não é para acomodados. Exige exercício e dedicação. Participar de manifestações.

Pedir intervenção militar é como brincar de roleta russa: você pode escapar durante algum tempo, mas inevitavelmente o resultado será ruim se você insistir na brincadeira.